O Mito da Queima de Gordura Localizada Através do Exercício



A hipótese da “redução localizada” afirma que o exercício concentrado numa área específica resulta numa redução preferencial da gordura nessa área específica. Por exemplo, exercícios abdominais são geralmente promovidos como um meio eficaz de reduzir a gordura abdominal e reduzir a cintura.

Contudo, os resultados na literatura científica são mistos, principalmente estudos antigos. A redução localizada não é geralmente considerada válida sem um défice calórico consistente, e mesmo assim não é garantia que se queime gordura na zona exercitada.

Em 1956 a redução localizada foi considerada possível (1) mas foi só a partir de 1960 que essa questão foi abordada cientificamente.



1960

Em 1960 uma experiência testou a esta hipótese. Foi investigado o efeito relativo de exercício localizado versus geral na redução  peso e alterações no volume dos segmentos. Um grupo de controlo foi também usado sem exercício sistemático ou dieta.

Uma dieta entre 2000-2200 kcal com uma média de 2070 foi escolhida arbitrariamente como uma aproximação razoável das necessidades calóricas. A dieta foi seguida por 6 semanas pelos dois grupos experimentais. Cada refeição foi servida numa sala especial na Universidade de Student Union. No fim de cada semana, cada sujeito assinou um cartão indicando se tinham comido ou não a comida toda e se tinham ou não bebido algo com valor calórico além do especificado na dieta. Os sujeitos nos grupos experimentais perderam algum peso (-2kg).

Mediram o peso, e determinaram o volume de vários segmentos do corpo usando o método hidrodensitometria. A análise dos volumes dos segmentos para os 2 grupos experimentais não indicaram diferenças notórias atribuídas ao exercício localizado (2).

1962

Em 1962 pesquisadores também compararam o efeito de dois tipos de exercício, localizado (áreas abdominal e coxa) e generalizado (costas superiores, ombros e extremidades), no contorno físico de pessoas obesas. A experiência incluiu também um dieta uniforme levando a uma pequena perda de peso. Como a  mesma dieta foi aplicada a todos (2000-2200kcal) o equilíbrio energético variou consideravelmente dentro do grupo. A redução de peso foi alcançada com um pequeno défice de calorias ingeridas e custo energético do exercício, especificamente 44% da perda peso foi atribuída ao custo energético do exercício.

Mediram as diferenças de diâmetro da cintura e coxas e área da coxa e perna entre pré-exercício e pós-exercício. Resultados indicaram evidências de redução nos segmentos do corpo onde a acumulação de gordura era mais visível, independentemente do tipo de exercício administrado (3).

1965

Em 1965 os participantes foram submetidos a um regime de 6 contracções isométricas abdominais de 6 segundos cada. Os exercícios foram executados diariamente durante 4 semanas, sem exercícios abdominais adicionais, e sem alterações de peso. Para ter em conta qualquer influência de peso ganho ou perdido na grossura das dobras cutâneas, qualquer sujeito cujo o peso final se desvia mais de 3% do peso inicial foi eliminado do estudo.

Reduções significantes foram obtidas em grossura e gordura subcutânea na cintura e nível umbilical do abdómen (4). Os autores afirmaram que podia ser considerada um forma de “redução localizada”, contudo os dados estavam em contraste com o estudos anteriores (2,3).

1978

Nesta experiência, 27 mulheres foram atribuídas a um regime de exercício localizado e executaram exercícios de calistenia concentrados no abdómen e coxas enquanto que o grupo de exercício generalizado (n=27) participaram numa variedade de actividades aeróbicas durante 10 semanas. As sessões de exercício foram feitas 3 dias por semanas por 30 min.

Um total de 12 medidas cutâneas, densiometria e variáveis derivadas foram avaliadas antes de depois do período experimental. Não houve diferenças significativas entre os grupos. Os resultados indicaram que embora qualquer dos tipos de exercícios experimentados tenha sido eficaz ao alterar as características antoprométricas e densiométricas das mulheres, nenhum dos regimes foi mais eficaz (5).

1984

Este estudo avaliou os efeitos de 27 dias de um programa com exercício abdominal no tamanho das células adiposas e adiposidade. Biopsias foram tiradas do abdómen, e locais subescapular e gluteal. Sujeitos estiveram envolvidos num programa de treino progressivo 5 dias por semana. O número total de repetições foi 5004.


Peso corporal, gordura total (pesagem hidroestática) e medidas cutâneas permaneceram inalteradas, mas o diâmetro celular diminui. Não houve diferenças no ritmo de alteração do diâmetro celular entre os 3 locais examinados sugerindo que não houve influência de uma possível mobilização lipolítica preferencial ou aumento da resposta adrenérgica.

Porque o diâmetro celular diminuiu nos 3 locais os autores sugeriram que o exercício abdominal teve um efeito geral em vez de específico no tamanho (diâmetro e volume) das células adiposas.

Também sugeriram que se apenas forem tiradas medidas de dobras cutâneas é possível que as alterações celulares sejam mascaradas quando não há alterações visíveis na composição corporal. Ainda mais, para reduzir o conteúdo de gordura num local específico, a composição corporal total tem de ser alterada; um regime de exercício selectivo de abdominais não afecta apenas a região abdominal, e não reduz preferencialmente o tamanho das células adiposas ou gordura subcutânea na região abdominal mais do que noutros locais (6).

2007

A hipótese da redução localizada foi reexaminada desta vez nos braços. Sujeitos participaram em 12 semanas de treino com resistência supervisionado no braço não dominante. Ressonância magnética (MRI) e pregas cutâneas foram usados para examinar a gordura subcutânea no braço treinado e não treinado. Enquanto que as medidas das pregas cutâneas indicaram uma redução na gordura subcutânea no braço treinado indicando redução localizada, MRI indicou não haver diferenças na amostra total e por sexo indicando que não ocorreu redução localizada como resultado do treino (7).

Autores indicaram que MRI, sendo sensível a alteração ao longo do braço todo, detectou maior variação nas repostas ao treino prevenindo diferenças significativas entre o braço treinado e não treinado, e que a variação não foi evidente através de uma única medição com prega cutânea.

2011

Um estudo (piloto) mais recente investigou o efeito de exercícios abdominais na gordura abdominal em 24 participantes. Um grupo de controlo não recebeu intervenção e o exercício abdominal no grupo experimental consistiu em 7 exercícios de 2 séries de 10 repetições, 5 dias por semana com um média de 75 minutos por semana durante 6 semanas. Todos os participantes mantiveram uma dieta isocalórica ao longo do estudo. 

Não houve efeito significativo dos exercícios abdominais no peso corporal, percentagem de gordura, percentagem de gordura andróide, gordura andróide, circunferência abdominal, medidas cutâneas. Concluíram que 6 semanas de exercício abdominal não foi suficiente para reduzir a gordura subcutânea abdominal e outras medidas de composição corporal (8).

2013 

Um estudo ainda mais recente examinou os efeitos de um treino de resistência localizado na composição corporal total e regional. Treinaram a perna não dominante durante 12 semanas, 3 vezes por semana.  Cada sessão consistiu de 1 série de 960-1200 repetições (prensa de pernas) a 10-30% RM. Ingestão energética foi registada através de um questionário alimentar.

Usando DEXA, foi determinado que não houve alterações significantes em densidade óssea, massa magra, massa gordura, ou percentagem de gordura observadas na perna de controlo como na perna treinada. Uma redução significante em massa gorda foi observada na extremidades superiores e tronco (10.2% e 6.9% respectivamente). A redução de massa gorda nas extremidades superiores e tronco foi significativamente maior que as alterações na massa gorda observadas na perna treinada mas não na perna não treinada.
 
Assim, o programa de treino foi eficaz ao reduzir a massa gorda, mas esta redução não foi alcançada na perna treinada (9).

Discussão 

A maioria dos estudos (2,3,4,5) nos efeitos de exercício selectivo basearam-se em avaliação de composição corporal imprecisas (dobras cutâneas, grossura e volume) ao contrário de métodos celulares (6). Até mesmo ressonância magnética comparado com pregas cutâneas dão resultados diferentes com as pregas a sugerirem redução localizada e ressonância magnética a refutar (7). DEXA pode também dar dados mais precisos e mostrar que não há redução preferencial local (9).

As limitações da técnica de pregas cutâneas são bem conhecidas, e os resultados tendem a variar de acordo com a idade, sexo, distribuição da gordura e técnica 8,10). As equações usadas costumam subestimar a percentagem de gordura (11).

Grossura cutânea (SFT), e impedância bioeléctrica (BIA) são mais adequadas para sujeitos não obesos devido a uma óbvia falta de concordância entre DEXA-BIA e DEXA-SFT em pacientes obesos (12). Adicionalmente, a massa gordura pode ser subestimada por BIA e SFT comparado com DEXA e melhor precisão é obtida com DEXA. DEXA deve ser considerado o método de escolha em pacientes obesos, onde a reprodutibilidade ganha especial importância, além da precisão e contexto (12).

Contudo até medidas gerais podem sugerir que não há redução localizada (2,3,5), como noutro estudo antigo (1971) comparando os padrões de gordura nos antebraços activos e não activos de tenistas masculinos e femininos com um grupo de controlo, que falhou ao suportar a hipótese de redução localizada (13).

 

 

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Referências

1. Brobeck, J. R., Ancel Keys, and Jean Mayer 1956. Is spot reducing possible? Vogue, May 15, 44.
2. CARNS, MARIE L. Segmental volume reduction by localized versus generalized exercise. Human Biol. 32: 336-76, 1960.
3. Schade, M, Helledrandt, FA, Waterland, JC, and Carns, M. Spot reducing in overweight college women: Its influence on fat distribution as determined by photography. Res Q 33: 461–471, 1962
4. Mohr, D. Changes in waistline and abdominal girth and subcutaneous fat following isometric exercise. Res Q 36: 168–173, 1965.
5. Noland, M and Kearney, J. Anthropometric and densitometric responses of women to specific and general exercise. Res Q 49: 322–328, 1978.
6. Katch, FI, Clarkson, PM, Kroll, W, and McBride, T. Effects of sit up exercise training on adipose cell size and adiposity. Res Q 55: 242–247, 1984.
7. Kostek, MA, Pescatello, LS, Seip, RL, Angelopoulos, TJ, Clarkson, PM, Gordan, PM, Moyna, NM, Visch, PS, Zoeller, RF, Thompson, PD, Hoffman, EP, and Price, TB. Subcutaneous fat alterations resulting from an upper body resistance training program. Med Sci Sports Exerc 39: 1177–1185, 2007.
8. Vispute SS, Smith JD, LeCheminant JD, Hurley KS. The effect of abdominal exercise on abdominal fat. J Strength Cond Res. 2011 Sep;25(9):2559-64.
9. Ramírez-Campillo R, Andrade DC, Campos-Jara C, Henríquez-Olguín C, Alvarez-Lepín C, Izquierdo M. Regional fat changes induced by localized muscle endurance resistance training. J Strength Cond Res. 2013 Aug;27(8):2219-24.
10. Lohman, TG. Skinfolds and body density and their relation to body fatness: A review. Hum Biol 53: 181–225, 1981.
11. Matthew J Peterson, Stefan A Czerwinski, Roger M Siervogel. Development and validation of skinfold-thickness prediction equations with a 4-compartment model. Am J Clin Nutr May 2003. vol. 77 no. 5 1186-1191
12. Taner Erselcana Ferhan Candanb Sabriye Saruhanc Tulay Ayca. Comparison of Body Composition
Analysis Methods in Clinical Routine. Ann Nutr Metab 2000;44:243–248
13. Gwinup, G., Chelvam, R., & Steinberg, T. Thickness of subcutaneous fat and activity of underlying muscles. Annals of Internal Medicine, 1971, 74, 408-41 1.

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