Mecanismos de Hipertrofia [3/3] – Stress Metabólico [1/2]




Stress metabólico pode também ter um efeito hipertrófico significante. Stress metabólico refere-se a acumulação de metabólitos da glicólise anaeróbica para produção de ATP.

Metabólitos como lactato, creatina e iões de hidrogénio acumulam-se (1,2,3), e causam um stress metabólico substancial. Há aumentos de lactato no sangue, lactato intramuscular, glicose e glicose-6-fosfato (1,3,4) com um impacto significante em processos anabólicos (5).



Glicólise

A glicólise extrai energia química ao oxidar glicose para piruvato. A glicose é oxidada para formar duas moléculas de piruvato. Grande parte da energia permanece armazenada nas duas moléculas de piruvato.

As células usam moléculas chamadas transportadoras de electrões como agentes oxidativos. O mais importante é um composto chamado de nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD). NAD existe como NAD+, que tem carga positiva, e NADH que é a forma reduzida. O H em NADH é um ião de hidrogénio adicionado, que vem junto quando a molécula apanha dois electrões adicionais.

NAD captura electrões da glicose através de enzimas chamadas Desidrogenases. Desidrogenases removem átomos de hidrogénio de substratos orgânicos (glucose=C6H12O6). Desidrogenases essencialmente removem dois electrões e dois protões (o mesmo que dois átomos de hidrogénio) do substrato. Dois desses electrões e um protão é entregue a NAD+ (formando NADH), e o outro protão é libertado. Assim, para cada dois átomos de hidrogénio tirados da glicose um ião de hidrogénio é libertado (existem também outras reacções a libertar iões de hidrogénio ou protões).

Electrões libertados da oxidação da glucose formam duas moléculas de NADH. A glicólise ocorre quer haja ou não Oxigénio presente. Se oxigénio está presente o piruvato e NADH são oxidados (oxidação de piruvato) e entra na mitocôndria, onde a oxidação da glicose é completada.

Contudo, fermentação e respiração anaeróbica permite que as células produzam ATP sem o uso de oxigénio. Fermentação é uma extensão da glicólise, mas deve haver uma quantidade suficiente de NAD+ que é reciclado de NADH sob condições aeróbicas. Uma alternativa anaeróbica é transferir electrões de NADH para piruvato, que forma lactato.

Glicólise é estimulada pela própria contracção muscular. Quanto mais rápidas as contracções mais rápidas as reacções dessa via metabólica. A velocidade da via é controlada pela enzima fosfofrutoquinase.  

Ácido láctico

A glicólise começa com glicose ou glicogénio, e termina com piruvato após 10 ou 9 passos respectivamente. O que quer que aconteça com piruvato é outro processo além da glicólise.

Ácido láctico é um sub-produto da glicólise (6), e é fortemente associada  com a libertação de testosterona e hormona de crescimento (7,8,9), contudo aumentos agudos têm um efeito negligenciável na hipertrofia (10,11). A energia do sistema de ácido láctico é maximizada quando se faz entre 30-120s de trabalho, quanto mais activa a enzima lactato desidrogenase maior a acumulação de lactato.

Durante a fermentação de ácido láctico o piruvato é reduzido directamente por electrões de NADH para formar lactato (lactato é a forma ionizada de ácido láctico). As células do músculo criam ATP através de fermentação quando o oxigénio é escasso. Isto ocorre durante exercício intenso, os músculos podem estar a decompor açúcar pela glicólise tão rápido que a NADH não o consegue oxidar rápido o suficiente, neste ponto as células trocam da respiração aeróbica para anaeróbica (fermentação).

Acumulação de lactato no sangue

Com fornecimento e utilização inadequados de oxigénio todos os hidrogénio formados na glicólise rápida não são oxidados, então piruvato converte-se para lactato na reacção química: piruvato + 2H ─>Lactato.

Lactato forma-se enquanto os hidrogénios em excesso produzidos durante a glicólise se juntam ao piruvato. Lactato é removido ao ser transformado em piruvato no citoplasma para entrar na mitocondria (fig. 1). Na mitocôndria o piruvato converte-se para acetilcoenzima-A para entrar no ciclo do ácido cítrico ou ciclo de krebs, ou ainda chamado de ciclo tricarboxílico, para o metabolismo de energia aeróbico.
 

A formação de lactato continua a aumentar em níveis de exercício intensos quando o músculo não consegue energia adicional aeróbicamente.

As fibras musculares lentas e rápidas têm diferentes densidades de mitocôndria e assim diferentes ritmos de remoção de lactato. As fibras mais lentas têm mais mitocôndria que as rápidas, assim as fibras rápidas têm menos capacidade para lidar com o lactato produzido, promovendo a acumulação.

A velocidade da reacção (produção de lactato) é directamente correlacionada com o ritmo catalítico da enzima que controla o processo – lactato desidrogenase. Esta enzima é responsável pela produção de lactato do piruvato, que transfere dois hidrogénios para piruvato para formar ácido láctico. Quanto mais rápida a glicólise mais rápida a acumulação de ácido láctico (12). Um aumento em piruvato vai derradeiramente levar a um aumento na acumulação de lactato.

Outros usos para o lactato 

Grande parte do lactato acaba por ser oxidado pelo ciclo do ácido cítrico dentro da mitocôndria. Contudo, algum lactato é também libertado para o sangue e entra no fígado onde é convertido de volta a piruvato e sintetizado de volta a glicose através das reacções gliconeogénicas do Ciclo de Cori. Esta glicose do lactato pode voltar ao músculo esquelético para o metabolismo energético ou ser sintetizado em glicogénio para armazenamento.

 Acidose

O maior ambiente ácido pode mediar uma maior resposta hipertrófica ao aumentar a degradação das fibras e maior estimulação de actividade simpática (24).

Contudo, não é o lactato que causa a acidez na célula, não há nenhum suporte bioquímico para a produção de lactato causar acidez (25,26). De facto, a produção de lactato retarda, não causa, a acidez. Acidez é causada por outras reacções tais como acumulação de protões (iões de hidrogénio) na célula.

Protões são usado para a respiração mitocôndrial (fosforilação oxidativa). Quando a intensidade de exercício aumenta para além de um certo valor, a libertação de protões aumenta e causa acidez. Acidez metabólica é causada por uma crescente dependência de formação de ATP não-mitocôndrial.

A libertação de protões na glicólise é associada com a hidrólise de ATP na Hexoquinase (tornando-se glicose-6-fosfato) e com as reacções da fosfofrutoquinase, tal como a oxidação de Gliceraldeído-3-fostato na reacção de Gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase (25). Estes são os protões relevantes para a acidez.
 

O uso de glicogénio como substrato primário (glicogenólise) difere da glicólise ao saltar a primeira reacção e assim partilha das restantes 9 reacções. A libertação de protões de glicólise difere dependendo se a glicose ou glicogénio é usado para formar glicose-6-fosfato e alimentar  a glicólise (25).

Para a produção de 2 piruvatos há uma libertação de 2 protões quando a glucose é a fonte, e    1 protão quando o glicogénio é a fonte. Usar glicogénio como fonte em vez de açúcar do sangue é menos acidificante para o músculo durante exercício intenso (25). 

Inchaço celular

Stress metabólico e series com repetições moderadas aumenta o volume de sangue no músculo o que pode facilitar a hidratação miofibrilar (13). O bombeamento e acumulação resulta através do colapso de veias enquanto as artérias continuam a fornecer sangue aos músculos, fazendo com que o fluxo de sangue volte para trás e hidrate o tecido. Este processo pode inibir a proteólise (catabolismo proteico), e aumenta o anabolismo ou ritmos de síntese (14,15,16).

Inchaço celular inibe o catabolismo e estimula a síntese proteica, e o encolhimento celular faz o oposto. O inchaço é um sinal anabólico e o encolhimento é um sinal catabólico (16).

Isquemia

Isquemia é a restrição de sangue aos tecidos, causando uma falta de oxigénio e glicose necessários para trabalho biológico. Isquemia muscular também causa stress metabólico, e ainda mais se for a par de glicólise anaeróbica (1,17,18). Este stress metabólico aumenta o ambiente hormonal, causa inchaço celular, produção de radicais livres, e aumento de actividade de factores de transcrição de crescimento (1,19,20,21).

Hipoxia

Hipoxia é a redução de oxigénio. O treino com resistência sob hipoxia sistémica leva a maiores aumentos em massa muscular (22), resistência muscular e angiogénese (novos vasos sanguíneos) no músculo esquelético (23). Sabe-se que o Factor de Crescimento do Endotélio Vascular (VEGF) tem um papel crítico no aumento de angiogénese. Há aumentos de concentrações de VEGF no plasma, e aumento no rácio de capilares:fibras – hipoxia sistémica aumenta a capilarização do músculo (23).

Hipoxia aumenta a acumulação de lactato e reduz o ritmo de remoção (1,22), contribuindo para o inchaço que tem sido demonstrado aumentar a síntese proteica (16). 

Isquemia produz hipoxia, contudo hipoxia pode ocorrer sem isquemia, como por exemplo e treino de alta altitude.

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Referências:
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2. Suga, T, Okita, K,Morita, N, Yokota, T, Hirabayashi, K,Horiuchi, M, Takada, S, Takahashi, T, Omokawa,M, Kinugawa, S, and Tsutsui, H. Intramuscular metabolism during low-intensity resistance exercise with blood flow restriction. J Appl Physiol 106: 1119–1124, 2009
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