Compreender Pesquisa Científica [2]: Estudos Experimentais versus Observacionais


Os estudos científicos não são todos criados iguais. Existem vários tipos de estudos, e a primeira distinção é entre evidências experimentais e observacionais.

Anteriormente escrevi sobre como ler um estudo e como um estudo é estruturado com diferentes secções. Certas características devem estar presentes em cada secção e deve tudo ser bastante claro. Por exemplo, na discussão os resultados devem ser postos em contexto da literatura em geral ou similar e pesados contra isso.

Evidências científicas devem ser usadas para desvendar o que é mais provável de ser verdade e não serem mal usadas para defender o que queremos que seja verdade, seja qual for o motivo.

Nos dias de hoje, crenças científicas e conclusões (provisórias) devem ser baseadas em evidências sólidas. Mas o que caracteriza as evidências sólidas? Esta questão pode ser complicada porque existem vários tipos de evidências científicas com diferentes limitações, pontos fortes e fracos. Isto só por si torna tudo mais difícil de interpretar.

Devemos ser capazes de reconhecer o que estamos a ver e como distinguir entre diferentes tipos de evidências científicas. Alguns estudos têm mais peso que outros.

1. Tipos de estudos científicos

Estudos analíticos são subdivididos em designs experimentais e observacionais (1).


1.1 Estudos experimentais

Estudos experimentais são feitos para controlar a maior quantidade de variáveis possível para medir um certo resultado específico. Por outras palavras, a variável é isolada para que seja possível determinar resultados específicos.

Ensaios randomizados controlados (RCTs) foram introduzidos na medicina clínica em 1948, quando estreptomicina foi avaliada contra um placebo no tratamento da tuberculose (2,3), o que introduziu o método de distribuir aleatoriamente tratamentos aos pacientes numa pesquisa terapêutica. Esta introdução é vista como o início da era moderna de ensaios clínicos (4) e pode até ser chamada de um novo paradigma científico (5). Deste então RCTs tornaram-se no padrão de ouro para avaliar a eficácia de agentes terapêuticos (6,7).

Em 1995 foi estimado que cerca de 9000 RCTs são executados por ano (8).

Pontos fortes de estudos experimentais:
1.  Controlar e isolar variáveis.
2.  Quantitativos: mede uma característica ou resultado específico.
3.  Estatísticos por natureza porque tem grupos de comparação.

Pontos fracos de estudos experimentais:
1.  Artefactos.
2.  Interferir com o sistema pode alterar o seu comportamento.
3.  Pode não ser representativo das experiências do mundo “real”.  
4. Pode não ser prático. Certos tipos de experiências não podem ser executadas devido a razões éticas por exemplo.

RCTs bem executados têm uma posição preeminente na hierarquia de Medicina Baseada em Evidência como evidência de nível 1. Contudo estudos observacionais bem executados e planeados, reconhecidos como nível 2 e 3, podem ter um papel importante no processo de derivar evidências (1).

Níveis da Medicina baseada em evidências
Nível de evidência
Estudos
I
Ensaios randomizados de alta qualidade, multicentrados ou unicentrados  com potência estatística adequada; ou revisões sistemáticas desses estudos.
II
Ensaios randomizados de menor qualidade; coortes prospectivos; ou revisões sistemáticas desses estudos.
III
Estudos retrospectivos comparativos; estudos caso-controlo; ou revisões sistemáticas desses estudos.
IV
Série de casos.
V
Opinião especializada; estudo de caso ou exemplo clínico; ou evidência baseada em fisiologia, pesquisa de bancada ou “princípios básicos”.


Cada categoria e considerada metodologicamente superior às categorias abaixo dela, e este modelo tem sido promovido amplamente nem casos de estudo, meta-análises, posições de consenso e materiais educacionais para profissionais da saúde (9).

1.2 Estudos observacionais

Estudos observacionais idealmente não intervêm, observam o mundo sem intervenção específica. O investigador simplesmente “observa” e avalia o grau de relação entre uma exposição e variável de doença por exemplo (1). Isto pode ser útil para correlações, e tais correlações podem depois ser testadas experimentalmente. Várias ciências baseiam-se em evidências observacionais tais como paleontologia, arqueologia e astronomia. Tais ciências podem ser também combinadas com evidências experimentais.

Pontos fortes de estudos observacionais:
1. Grandes quantidades de dados pode ser gerados ao observar o que já existe.
2. Também permite comparações de grupo.
3. Há intervenção mínima no comportamento natural do sistema.

Pontos fracos de estudos observacionais:
1. Não controlam muitas variáveis.
2. Sempre sujeito a variáveis desconhecidas.
3. Demonstram correlação mas não podem necessariamente estabelecer causa e efeito definitiva.

Três tipos de estudos observacionais incluem estudos de coorte, estudos controlo de casos, e estudos transversais (1).

- Coorte significa “grupo de pessoas com características definidas que são seguidas para determinar a incidência de, ou mortalidade, de alguma doença específica, todas as causas de morte, ou algum outro resultado”.

- Controlo de casos e coortes oferecem vantagens específicas ao medir a ocorrência de doença e a sua associação com uma exposição ao oferecer uma dimensão temporal (design prospectivo ou retrospectivo).

- Estudos transversais, também conhecidos como estudos de prevalência, examinam dados de uma doença e exposição num ponto de tempo particular. Neste caso como a relação temporal entre a ocorrência da doença e exposição não pode ser estabelecida, estudos transversais não podem avaliar a relação entre causa e efeito. 

Num coorte, um resultado ou população livre de doença é primeiro identificado pela exposição ou evento de interesse e seguido no tempo até que a doença ou resultado de interesse ocorra (1).


Porque a exposição e identificada antes do resultado, estudos de coorte têm uma base temporal para avaliar causalidade e assim têm o potencial de gerar evidências científicas fortes. 

Há uma importante distinção entre coortes e casos de série. A característica que os separa é a presença de um controlo ou grupo não exposto. Contrastando com estudos de coorte epidemiológicos, casos de série são estudos descritivos que seguem um grupo pequeno de pessoas. Em essência, são extensões de casos de estudos, mas com a falta de um grupo de controlo. A não ser que um segundo grupo de comparação que sirva de controlo esteja presente, esses estudos são definidos como casos de série.


Vantagens e desvantagens de estudo de controlo de caso (1):

Vantagens
 Bom para examinar resultados raros ou  resultados com uma latência longa.
 Relativamente rápidos ao serem executados.
 Relativamente de baixo custo.
 Requer poucos sujeitos comparativamente.
 Dados existentes podem ser usados.
 Múltiplas exposições ou factores de risco podem ser examinados.
Desvantagens
 Susceptíveis a viés de memória.
 Dificuldade em validar informação.
Controlo de variáveis estranhas pode ser incompleto.
 Selecção de grupos de comparação apropriados pode ser difícil.
 Ritmos de doença em indivíduos expostos e não expostos não pode ser determinado.

Estudos prospectivos e retrospectivos

Estudos de coorte podem ser prospectivos ou retrospectivos. Estudos prospectivos são efectuados do presente para o futuro. Estudos prospectivos são desenhados com métodos de recolha de dados específicos e podem ser personalizados a recolher  dados específicos a uma exposição e podem ser mais completos.

A desvantagem de um coorte prospectivos pode ser o longo período de seguimento necessário enquanto se aguarda que eventos ou doenças ocorram. Isto é especialmente inadequado ou ineficiente para investigar doenças com longos períodos de latência e é vulnerável a uma grande perda de sujeitos (1).

Para tais propósitos estudos de coorte retrospectivos são melhores indicados dada a natureza intemporal e barata do design de estudo. Eles são também conhecidos como estudos de coorte históricos, e olham para o passado para examinar eventos ou resultados médicos (1). Contudo, a desvantagem primária deste design de estudo é o controlo limitado que o investigador tem sobre a recolha de dados. Os dados existentes podem ser incompletos, imprecisos, ou inconsistentemente medidos entre os sujeitos devido ao potencial para múltiplos viéses (1).

(1)
O design de “coorte restrito” é um método usado para fortalecer estudos observacionais (11). Este método adapta princípios do design de ensaios randomizados controlados ao design de um estudo observacional da seguinte forma (9):

- Identifica um “tempo zero” para determinar a elegibilidade do paciente e as características de base;
- Usa critérios de inclusão e exclusão similares aos de ensaios clínicos;
- Faz ajustes nas diferenças na susceptibilidade base ao resultado, e usa métodos estatísticos similares aos de ensaios clínicos.

Por exemplo, o uso de um coorte restrito (11) produziu resultados consistentes com observações resultantes de um ensaio multicentrado, randomizado, duplamente cego e com controlo de placebo (12).

Observacional vs. Experimental

Estudos observacionais têm várias vantagens sob ensaios randomizados controlados, incluindo menor custo, maior período de estudo, e uma amostra mais alargada de pacientes (2,13). Estudos observacionais são usados primeiramente para identificar factores de risco e indicadores prognósticos e em situações em que ensaios clínicos randomizados e controlados seriam impossíveis ou não éticos (2,14).

Estudos observacionais bem desenhados podem produzir resultados similares a RCTs, desafiando assim a crença que estes estudos são de segunda categoria (1). Contrariamente a crenças prevalecentes, resultados comparáveis entre estudos observacionais e RCTs foram demonstrados (2,9). Estudos observacionais geralmente fornecem informação válida (2).

Numa investigação, resultados de estudos observacionais bem desenhados (com design de coorte ou controlo de caso) não sobrestimou sistematicamente a magnitude dos efeitos de um tratamento em comparação com RCTs no mesmo tópico (9). Outra investigação comparou RCTs e estudos observacionais de controlo de caso sobre mamografia e encontrou resultados similares (15). Estes resultados confrontam o consenso sobre uma hierarquia de design de estudos na pesquisa clínica. 

RCTs podem também produzir resultados contraditórios com exemplificado por uma revisão de 200 RCTs em 36 tópicos clínicos (16). Até meta-análises de RCTs podem ser discordantes com os de ensaios maiores e simples no mesmo tópico clínico (17). Devido a resultados heterogéneos, não se pode esperar que um único RCT (ou um único estudo observacional) forneça um resultado padrão de ouro que se aplique a todas as situações clínicas (9).

O design de pesquisa não deve ser considerado uma hierarquia rígida, como alguns propõem. Vários especialistas da ideologia clássica de Medicina Baseada Em Evidências alegaram que o RCT era totalmente livre de enviesamento e afirmaram “se descobrirem que um estudo não foi randomizado, sugerimos que parem de ler e passem ao artigo seguinte” (18). Contudo com o passar do tempo e evolução da pesquisa científica tornou-se claro que tal não era o caso. Assim, de acordo com a actual ideologia da Medicina Baseada em Evidências, RCTs podem minimizar mas não eliminar enviesamento (19).

Estudos observacionais podem ser menos pré-dispostos a resultados heterogéneos que RCTs (9). Uma explicação pode ser que cada estudo observacional é mais provável de incluir uma representação mais alargada da população em risco, e haver menos oportunidade para diferenças na gestão de sujeitos em estudos observacionais (9). Em contraste, cada RCT pode ter um grupo distinto de pacientes como resultado de critérios de inclusão e exclusão específicos relacionados com doenças coexistentes e severidade da doença, e o protocolo experimental para a terapia pode não ser representativo da prática clínica (9).

Quando estudos observacionais são fracos, como por exemplo usando controlos históricos, ensaios não cegados, ou ensaios clínicos sem randomização (20,21,22), recomendações derivadas de um apanhado geral de tais estudos são muito mais fracas que recomendações derivadas de RCTs. Mas quando estudos observacionais são fortes podem produzir resultados comparáveis a RCTs como mencionado acima.

Assim, dados baseados em formas mais fracas de estudos observacionais são geralmente usados erradamente para criticar toda a pesquisa observacional. Não obstante, resultados de estudos observacionais pobres são de facto usados inadequadamente – por exemplo para promover terapias alternativas ineficazes (23).

Características de estudos observacionais pobres:
- Estudos coorte com controlos históricos;
- Ensaios clínicos sem randomização nas intervenções;
- Resultados não reportados no formato de pontos de estimativa (riscos relativos ou rácio de possibilidades) e intervalos de confiança.  

Características de estudos observacionais bem controlados:
- Design coorte (com selecção concorrente de controlos);
- Controlo de casos;
- Resultados são reportados reportados no formato de pontos de estimativa (riscos relativos ou rácio de possibilidades) e intervalos de confiança.  

A crença popular que apenas RCTs produzem resultados confiáveis e que todos os estudos observacionais são enganadores fazem um desserviço no tratamento de pacientes, investigação clínica e educação de profissionais de saúde (9).

Contudo, resultados de um único RCT ou um único estudo observacional, devem ser interpretados cuidadosamente. Estes dois tipos de evidência, experimental e observacional, podem e devem ser combinados para fornecer diferentes tipos de informação científica com diferentes pontos fortes e fracos, dar uma melhor imagem ou até triangular uma relação de causa-efeito, e ou estabelecer questões para futuros RCTs, e definir condições clínicas.

Evidências de ambos RCTs  e coortes ou controlo de casos bem planeados podem e devem ser usados para encontrar as respostas correctas.


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Referências:

1. Jae W. Song, and Kevin C. Chung. Observational Studies: Cohort and Case-Control Studies. Plast Reconstr Surg. 2010 Dec; 126(6): 2234–2242  
2. Benson K, Hartz AJ. A comparison of observational studies and randomized, controlled trials. N. Engl. J. Med. 2000;342:1878–1886.
3. Streptomycin treatment of pulmonary tuberculosis: a Medical Research Council investigation. BMJ. 1948;2:769–82.
4. Feinstein AR. Current problems and future challenges in randomized clinical trials. Circulation 1984; 70: 767–774.
5. Horwitz RI. The experimental paradigm and observational studies of cause-effect relationships in clinical medicine. J Chron Dis 1987; 40: 91–99
6. Byar DP, Simon RM, Friedewald WT, et al. Randomized clinical trials: perspectives on some recent ideas. N Engl J Med. 1976;295:74–80.
7. Feinstein AR. Current problems and future challenges in randomized clinical trials. Circulation. 1984;70:767–74.
8. Olkin I. Statistical and theoretical considerations in metaanalysis. J Clin Epidemiol 1995; 48: 133–146.
9. Concato J, Shah N, Horwitz RI. Randomized, controlled trials, observational studies, and the hierarchy of research designs. N. Engl. J. Med. 2000;342:1887–1892.
10. Jenicek M. Foundations of Evidence-Based Medicine. Parthenon Pub. Group; Boca Raton: 2003. pp. 1–542
11. Horwitz RI, Viscoli CM, Clemens JD, Sadock RT. Developing improved observational methods for evaluating therapeutic effectiveness. Am J Med. 1990;89:630–8.
12. A randomized trial of propranolol in patients with acute myocardial infarction. I. Mortality results. JAMA. 1982;247:1707–14.
13. Feinstein AR. Epidemiologic analyses of causation: the unlearned scientific lessons of randomized trials. J Clin Epidemiol 1989;42:481-489
14. Naylor CD, Guyatt GH. Users' guides to the medical literature. X. How to use an article reporting variations in the outcomes of health services. JAMA 1996;275:554-558
15. Demissie K, Mills OF, Rhoads GG. Empirical comparison of the results of randomized controlled trials and case-control studies in evaluating the effectiveness of screening mammography. J Clin Epidemiol. 1998;51:81–91.
16. Horwitz RI. Complexity and contradiction in clinical trial research. Am J Med. 1987;82:498–510.
17. LeLorier J, Grégoire G, Benhaddad A, Lapierre J, Derderian F. Discrepancies between meta-analyses and subsequent large randomized, controlled trials. N Engl J Med. 1997;337:536–42.
18. Sackett DL, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes RB. Evidence-based medicine: how to practice and teach EBM. New York: Churchill Livingtone, 1997. p.108
19. Sami T. and Sedwick P. (2011). Do RCTS provide better evidence than observational studies? Opticon 1826,11,1–10.
20. Chalmers TC, Celano P, Sacks HS, Smith H., Jr Bias in treatment assignment in controlled clinical trials. N Engl J Med. 1983;309:1358–61.
21. Sacks HS, Chalmers TC, Smith H., Jr Sensitivity and specificity of clinical trials: randomized v historical controls. Arch Intern Med. 1983;143:753–5.
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23. Angell M, Kassirer JP. Alternative medicine — the risks of untested and unregulated remedies. N Engl J Med. 1998;339:839–41.